Quanto custa uma Copa do Mundo

Dez 2, 2022

O Qatar investiu mais de $200 bilhões para organizar a Copa do Mundo FIFA 2022. Mas a história mostra que organizar grandes eventos desportivos não traz grandes recompensas do ponto de vista económico. Aliás, até dão prejuízos. Porém, para os países organizadores, há outra dimensão que supera o elemento financeiro: recolher dividendos geopolíticos.

Os números não desmentem. Desde a Copa de 1966, disputada em Inglaterra, apenas um torneio gerou mais receitas do que despesas. Rússia 2018 apurou um saldo positivo de cerca de $240 milhões, de acordo com o estudo “The structural deficit of the Oympics and the World Cup: Comparing costs against revenues over time”, da autoria de Martin Müller et al.

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Até hoje, a Copa que registou o maior défice foi o Japão/Coreia do Sul, organizada em 2002: -$4,81 bilhões (a preços atuais). Mas o Qatar 2022 vai superar largamente essa marca tendo em conta o avultado investimento qatari para organizar um dos Mundiais mais polémicos até à data.

Porquê, Qatar?

Para uma nação como o Qatar, organizar a Copa do Mundo vai além da racionalidade económica. Entre duas superpotências do Golfo Pérsico como a Arábia Saudita e o Irão, o Qatar esforça-se por se mostrar ao Mundo como um grande país, moderno e aberto, apesar da reduzida dimensão territorial, dos 3 milhões de habitantes e do enorme caminho que ainda tem de percorrer no capítulo dos direitos humanos.

Por isso, há quem veja nesta Copa uma forma de o Qatar “lavar” a sua imagem (importa lembrar que detém ainda o time francês PSG, de Neymar e Messi). É uma prática conhecida como “sportswashing”. Já usada em outras ocasiões que se tornaram, em alguns casos, históricas, como os Jogos Olímpicos de Berlim em 1936, em plena Alemanha nazi, ou a Copa do Mundo da Argentina em 1978, durante a ditadura militar.

Por exemplo, nessa Copa argentina, o país reconheceu um prejuízo de $1,74 bilhões, mas a perda foi largamente compensada com os ganhos políticos do regime de Jorge Videla.

As Copas mais caras

Voltemos ao presente: o Qatar, um país rico em gás natural, investiu cerca de $220 bilhões para esta Copa que é de longe a mais cara alguma vez organizada. Dificilmente veremos no futuro esse nível de investimento.

Antes, a Copa mais cara era do Japão/Coreia do Sul, que gastou mais de $7 bilhões em 2002.

Para essa contabilidade, os autores do estudo têm presentes dois tipos de custos: construção/renovação dos estádios e a organização. Do lado das receitas, são contabilizados bilhetes, patrocínios e direitos televisivos, que, no caso do evento nipónico/sul coreano, resultaram em pouco mais de $2 bilhões para os cofres.

 

Ainda assim, é fácil perceber que os autores se esquecem de um aspeto importante: o impacto na economia que resulta do consumo turístico em viagens, hotéis, restaurantes. Ou seja, tudo o que está associado à indústria do turismo. Mas não só durante o mês de competição. Também é depois de terminada a prova, por conta da exposição mediática (embora mais difícil de calcular).

Depois, com o investimento em infraestrutura local, como rede de transportes, acessos, também os habitantes saem ganhar com melhores condições de vida nas suas cidades.

Porém, os autores também consideram que os números apresentados podem não corresponder à realidade e encontrarem-se subestimados nos custos e sobrestimados nas receitas.

Das “big busts” às “cash cows”

De qualquer forma, a conclusão do estudo é clara: dificilmente a Copa do Mundo paga os custos da sua organização. E isso acontece também na realização dos Jogos Olímpicos.

Entre as big busts que os autores identificam no estudo encontramos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi (2014), os Jogos Olímpicos de Londres (2012) e Atenas (2004) como maiores fiascos financeiros. A seguir vem a Copa do Japão/Coreia do Sul (2002), Jogos Olímpicos de Montreal (1976) e a Copa da África do Sul (2010).

Mas para quem pensa que um megaevento desportivo pode representar uma “cash cow”, é melhor tirar a “vaca da chuva”. Apenas Rússia (2018), Brasil (2014) e Jogos Olímpicos do Rio (2016) conseguiram o breakeven. A maioria foram mesmo grandes falhanços ou pequenas tragédias.

 

Lição para o futuro?

Para os autores, se a Copa fosse organizada sozinha pela FIFA, ela já teria ido à falência há muito tempo. Adicionalmente, se maior torneio desportivo do mundo se vem realizado a cada 4 anos é porque os Governos subsidiam (à custa dos impostos dos contribuintes) a construção dos estádios.

Se a história mostra que organizar grandes eventos desportivos não traz grande retorno direto, também nos diz que os países pouco ligam a isso. Ano após ano eles vão sendo organizados em todo o mundo, independentemente do objetivo final.

Os próximos Jogos Olímpicos serão organizados em Paris, daqui a menos de dois anos. O próximo Mundial será organizado pelos EUA, Canadá e México e não faltam candidatos em receber as próximas Copas do Mundo.

Como evitar que a história se repita? Reutilizarem no máximo possível os estádios e infraestruturas já existentes. Isso aconteceu na Rússia 2018. Ajudaria a poupar uma larga soma de dinheiro, de acordo com os autores do estudo.

Enquanto a construção das infraestruturas desportivas representa o maior gasto neste tipo de eventos, os estádios acabam por se tornarem inúteis em muitos casos.

Assim, não se antecipando que uma Copa venha a ser altamente lucrativa, ser disciplinado nos custos permitirá alcançar o “break even”, enquanto durante um mês o país vive festa do desporto-rei.

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