Quanto deve ganhar um líder? A resposta convencional, adoptada por economistas e gestores, é que não deve haver limite para além daquele que é ditado pelas suas competências e pelo que ele pode dar a ganhar à instituição onde trabalha. Salários de milhões e bónus principescos? Não são necessariamente uma coisa má , desde que sejam uma compensação justa e proporcional àquilo que o líder produz.
Esta linha de raciocínio tem inúmeros adeptos dentro e fora da academia – ainda em 2013, um dos mais proeminentes economistas americanos, Gregory Mankiw, publicou um paper a explicar por que é que toda a sociedade ganha se as empresas puderem fixar sem restrições os salários dos seus colaboradores (e, claro, se estes forem livres de os aceitar sem constrangimentos). Mas com o crescimento impressionante da desigualdade ao longo das últimas três décadas, impulsionado – em parte, mas sobretudo – pela divergência entre os salários ‘do meio da tabela’ e as remunerações de topo, a ideia tornou-se cada vez mais disputada.
A própria The Economist, publicação conhecida por uma vincada costela liberal, lhe dedicou um texto, intitulado Executive pay: neither rigged, nor fair (TRADUÇÃO). O texto é longo, mas a conclusão é simples: salários tão altos são não apenas injustos, mas também ineficientes, uma vez que não há nada nos dados disponíveis que sugira que as remunerações pagas aos CEO’s estejam alinhadas com os resultados que eles garantem. Um dos casos mais gritantes é o de Richard Fuld, antigo CEO do falido Lehman Brothers, que encaixou quase 500 milhões de dólares em salários e prémios, num ano em que a sua empresa foi à falência. O gráfico de baixo, retirado de um estudo do Economic Policy Institute, mostra a evolução dos salários dos CEO’s, como percentagem dos salários medianos das respectivas companhias.
Mas a tendência para a explosão dos salários de topo não é um exclusivo das empresas. No futebol, pelo menos,também há desde os anos 90 um crescimento absurdo dos valores. O Finance Football perdeu algum tempo a olhar para as remunerações dos líderes do futebol europeu e chegou a algumas conclusões surpreendentes. Aqui estão as quatro mais importantes
Treinadores ganham mais do que os CEO’s
A compilação de dados é sempre difícil, porque os CEO’s, ao contrário dos treinadores, são pagos de mil e uma formas – salários, acções da empresa, prémios e até produtos financeiros difíceis de valorizar. Mas segundo os dados compilados por consultoras, o CEO europeu mais bem pago em 2014 (último ano para o qual há dados) foi Martin Winterkorn. O CEO da Volskwagen, que entretanto abandonou a empresa no seguimento do escândalo da manipulação de emissões de CO2, recebeu 14,9 milhões de euros.
Read it in English: Worried about CEO pay? Just take a look at football coaches
Parece muito? Talvez. Mas na lista dos treinadores mais bem pagos da Europa aparecem pelo menos dois nomes à frente: Pepe Guardiola (18 milhões de euros) e Carlo Ancelotti (15 milhões). A tabela de baixo compara os cinco treinadores mais bem pagos com os cinco CEO com melhor rendimento.
Em Portugal, a diferença é ainda mais notória. O CEO mais bem pago é António Mexia, da EDP, que em 2015 encaixou 2,1 milhões, entre vencimento base, vencimento variável e prémios por resultados. O que é menos de metade do que recebeu Jorge Jesus, o rei dos treinadores nacionais (5 milhões). A comparação futebolística, de resto, foi feita pelo próprio Mexia, que, quando confrontado pela imprensa com o valor exorbitante da sua remuneração, respondeu simplesmente que ganha tanto “como o defesa-direito de um clube do meio da tabela”.
Como ganhar 300 vezes o salário médio do país
Uma métrica habitual nestas comparações é o rácio entre o salário do CEO e o salário mediano da empresa que lidera. É difícil aplicar isto ao mundo do futebol, porque não há números para os salários praticados em cada um. Mas é possível comparar as remunerações com os salários médios praticados nos respectivos países. Foi o que fizemos. A conclusão? No top 20 dos treinadores mais bem pagos não faltam misters a ganhar 300 vezes o que o trabalhador médio leva para casa ao final do mês.
A ordem dos treinadores muda ligeiramente em relação à tabela do TOP 20 porque os salários médios não são iguais em todos os países. Uma das diferenças mais notáveis é a alteração da posição relativa de Jorge Jesus, técnico do Sporting, que passa a ser o quarto treinador neste ranking. Isto porque o salário médio português também é dos mais baixos a nível europeu, o que propulsiona a sua posição relativa.
… e há quem ganhe 1000 salários mínimos
Os valores tornam-se ainda mais espantosos se forem calculados em ordem ao Salário Mínimo que vigora em cada país. O exemplo mais impressionante: Zidane, o técnico do Real Madrid, leva para casa o equivalente a 1036 salários mínimos nacionais. Luis Enrique, o líder do Barcelona, não fica muito atrás. Ambos os treinadores ‘avançam’ na tabela porque o salário mínimo espanhol é bastante mais baixo do que em Inglaterra e Alemanha, por exemplo.
Os loucos anos 90
Foi sempre assim? Seguramente que não. Mas é difícil prová-lo, porque praticamente não há dados históricos acerca dos salários dos treinadores de futebol.
Porém, há alguns números fiáveis acerca da evolução dos salários dos jogadores, e é provável que as remunerações dos líderes se comportem mais ou menos em linha com as dos principais craques. Esses dados sugerem que no Reino Unido, pelo menos, os protagonistas do desporto-rei ganham hoje muito mais do que há algumas décadas, e que a divergência de salários de começou a acentuar no início da década de 90. Em 1960, um jogador da primeira divisão inglesa ganhava apenas 1,2 vezes o salário médio inglês, e em 1980 esse rácio passou para 4,5. Em 2010, a razão era de 50 para 1.
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