Quando aterrou em Madrid para representar o Real, no Verão de 2009, não foi só a cor da camisola que Cristiano Ronaldo mudou. O português alterou também profundamente o seu estilo de jogo: trocou as fintas diabólicas pelos remates, saiu da linha para aparecer com mais frequência na área e transformou a magia em eficácia. Ronaldo, o mágico, transformou-se em Ronaldo, a máquina. E as pedaladas da era do United, documentadas em baixo, tornaram-se cada vez menos frequentes.
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Alguns críticos disseram que Ronaldo estava a envelhecer e a acusar o passar da idade, mas a verdade é que ano após ano o português foi batendo recordes, convertendo-se no melhor marcador de sempre do Real Madrid e provando que a idade é só um número. A maior prova? A época de 2014-2015: com 30 anos, a “idade crítica” para a maioria dos jogadores, o astro português marcou nada mais nada menos do que 48 golos no campeonato, 10 tentos na Champions e mais três noutras competições. Foi a melhor temporada de sempre de Ronaldo, com uma média de 1,13 golos por partida.
Hoje, Ronaldo está diferente. O português continua a ser o melhor marcador do Real, e segue em terceiro na pontuação global da La Liga, com um total de 20 golos. Mas a nível de estatísticas está bem longe dos números de anos anteriores: mesmo depois de ter demolido o Bayern de Munique com cinco golos em dois jogos, e praticamente ter carimbado sozinho a passagem à final da Champions com um bis face ao Atlético de Madrid, o número 7 de Madrid tem “apenas” 0,83 golos por partida – a sua pior média desde que chegou a Madrid. Será que Ronaldo está – finalmente – a envelhecer?
Messi vs Ronaldo: a eterna comparação
Comecemos por pôr estes números em perspectiva, contrastando-o com um termo de comparação apropriado. Estando em questão um dos melhores jogadores de sempre, vale a pena pô-lo lado a lado com o único jogador com que o próprio Ronaldo aceitaria ser comparado: o eterno rival Lionel Messi.
Ao contrário de Ronaldo, que está a ter a sua pior época desde que chegou ao Real, o astro argentino conseguiu recuperar algum do seu fulgor perdido. Na verdade, parecem ir em sentido contrário, uma vez que esta é a primeira época, em quatro temporadas, em que o craque do Barcelona consegue ter um registo estatístico melhor que o de Ronaldo. A evolução do número médio de golos por jogo de cada um está documentada no gráfico seguinte.
As épocas de ‘ouro’ de Messi foram as 2011/12 e 2012/13, quando tinha 25 e 26 anos, respectivamente. Na altura, o número 10 do Barcelona marcou uns extraordinários 133 golos (!), atingindo uma média de 1,2 golos por partida e entrando definitivamente nos pergaminhos do futebol internacional.
Antes, Messi já tinha provado a sua qualidade num célebre jogo contra o Arsenal (2010). Depois de ser despedaçado pela pulga (4-1 em Camp Nou), o treinador do Arsenal, Arsene Wenger, disse que Messi era “um jogador de Playstation” – capaz de marcar golos e fazer fintas que só mesmo no mundo virtual é que são possíveis de fazer.
O perfeccionista Ronaldo, contudo, não desanimou. Continuou a correr e a marcar, até que em 2014/2015 conseguiu – finalmente – ultrapassar de novo o argentino. Com uns estrondosos 61 golos, e uma média de 1,13 tentos por partida, o número 7 do Real voltou ao topo dos marcadores da La Liga. Na época seguinte voltou a ficar à frente de Messi, desta vez aproveitando o facto de a chegada de Suaréz ao Camp Nou ter ‘empurrado’ o número 10 para ala, afastando-o das redes adversárias.
Qual é o problema? Aliás, há um problema?
Por que está Ronaldo a perder gás? Uma explicação possível é a que avançámos no início da peça: o craque português está a sentir o peso da idade a afectar-lhe a capacidade goleadora, depois de já a ter visto afectar o seu estilo de jogo. De facto, há vários estudos que confirmam que os atletas tendem a atingir o seu ‘pico de forma’ física algures antes dos 30, e que a partir daí o declínio é (quase) inevitável. É normal – e, na verdade, inevitável – que Ronaldo siga o mesmo caminho, agora que já leva 32 anos. O seu valor de mercado, de resto, tem estado a evoluir em linha com esta expectativa (tabel de baixo do Transfermarkt).
Mas esta época também foi especial. Ronado começou tarde, devido a uma lesão difícil na final do Europeu 2016, e quando voltou fê-lo a custo, ficando vários jogos sem marcar. O início de época difícil pode ter contribuído para a média actual, e talvez, quem sabe, Ronaldo volte na próxima época à média habitual.
De resto, toda a regra tem a sua excepção, e não faltam jogadores a atingir a sua melhor média de golos já depois dos 32 anos. Zlatan Ibrahimovic é um desses casos: foi a partir dos 30 que começou a bater a marca das três dezenas de golos por época, e só aos 34 chegou a média de um golo por temporada. Será preciso esperar por 2017/2018 para tirarmos a prova dos nove e avaliarmos a evolução de CR7.
Em qualquer caso, Ronaldo marcou 35 golos esta época, o que dá uma média de 0,83 golos por partida. Estas estatísticas não seriam um problema para nenhum avançado do mundo, só são problema para Ronaldo porque Ronaldo é… Ronaldo. Um jogador que nos habituou a rondar a média de um jogo por partida, e que em conjunto com Messi monopolizou as Bolas de Ouro e Botas de Ouro da última década. E, de facto, convém pôr estes números em perspectiva, comparando com outros grandes craques das últimas três décadas.
A tabela de cima relativiza os números de Ronaldo. A média actual de Ronaldo é, ainda assim, melhor do que a média de golos atingida por mais de dois terços dos melhores avançados mundiais na sua melhor época. Entre os 20 jogadores para os quais o Finance Football compilou números, apenas cinco conseguiram alguma vez na sua carreira fazer melhor: os brasileiros Ronaldo e Romário, o sueco Ibrahimovic, o holandês Ruud Van Nistelrooy e, claro, Messi. As colunas da direita fazem esta comparação.
Mas se compararmos as grandes tendências, a diferença é ainda maior. Ronaldo tem uma média de golos na carreira de 0,85, o que só fica atrás de Messi. Romário chega lá perto, mas para os restantes avançados a diferença é enorme. Na verdade, são raríssimos os casos que conseguem ter uma média de golos muito superior a 0,55 (pouco mais de um golo a cada dois jogos). Novamente, apenas os dois brasileiros e Nistelrooy conseguem ficar acima desta fasquia.
Estará Ronaldo a ficar velho? Talvez. Mas o ‘velho’ Ronaldo continua a ser melhor do que muitos dos grandes pontas-de-lança do passado quando estavam na sua melhor forma.